O intérprete tem seu valor?

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Cabeça Fria. (Um sonho)


Era uma caixa de madeira escura,
Sem chave e sem fechadura.
E pra quem tava dentro, a situação era dura.
Uma cabeça despregada de sua estrutura.

De vez em quando eu abro a caixa,
E a cabeça morta relaxa.
Já não escuta, já não fala, já não cheira, já não vê.
A cabeça está nua, sem mortalha ou faixa.

O tempo passa e eu preciso esconder a caixa.
E a cabeça passeia embaixo do braço.
Procurando um espaço onde eu possa desová-la.
A cada minuto uma cor mais violácea.

Num instante andando na praia.
Quem sabe na areia, ou no fundo do mar.
Mas a caixa bóia e o vento sopra e descobre
A cabeça dentro da caixa.

Num corte seco e profundo,
Parei na cozinha de um restaurante
No mesmo instante que alguem prepara
Os pertences pra uma feijoada.

E mostro-lhe a caixa com seu ingrediente.
E sou avisado que a carne é amarga,
e que tenho que seguir em frente.
- Nessa panela não cabe mais gente.

A aflição aumenta e a cabeça agora fala.
Preciso encontrar uma vala,
Um bueiro certeiro que dê guarida.
Uma boca de lobo que fique calada.

Procuro na rua algum porta mala,
Um beco secreto, um pico discreto,
Um forno, um formol, um vaso insuspecto
Pois a cabeça na caixa já bate no teto.

E aumenta a agonia
da cabeça fria.
Acendo um cigarro
E o sol ascendia.

O vento bufava violento
Batendo as janelas e as portas feito trovão
E eu e a cabeça numa poça de lama
Despertos do sonho em cima da cama

E desço a cozinha e tomo café
E a caixa invisível não some
Nem com reza, nem com figa
Ela acompanha meu dia

Uma cabeça indigesta
No meio da barriga
Entalada na garganta
Feito um prego no sapato

E a sensação de pesadelo
E o engasgar de cabelos
E os caninos, e a barba
E o silencio defunto, o sangue seco
E a sombra, e a cera do ouvido
Permanecem comigo


Nenhum comentário:

Postar um comentário